terça-feira, 5 de maio de 2015

Rumo à Europa: Adolescentes são vítimas de tráfico humano

Quase a totalidade dos menores se negou a ser identificada pela imigração italiana

Menino da Somália entre os menores do grupo: 12 anos.

Meninos de 10, 11 anos jogam bola no pátio de uma creche em Reggio Calábria, no sul da Itália, que virou um centro de acolhimento de emergência somente para os menores imigrantes. Algo trivial, se eles não fossem sobreviventes dos recentes naufrágios no Mediterrâneo.

Um voluntário italiano confirma que muitos deles foram resgatados da embarcação em que mais de 700 pessoas morreram afogadas por estarem trancadas no porão do barco. O atravessador as teria trancado embaixo para que não ocupassem o lugar de quem pagou mais para poder atravessar o Mediterrâneo ao ar livre. ...

A maior parte dos recém-desembarcados é da Somália, Etiópia e Eritreia. Países em conflito entre si por questões territoriais e étnicas. Apesar disso, tiveram que dividir o mesmo barco. Mas no abrigo as diferenças se acentuam: alguns episódios de violência entre os menores precisaram ser apartados por voluntários, médicos e policiais.

A grande maioria chegou ao abrigo doente, padeciam de sarna e piolhos. As marcas brancas na pele escura revelam que muitos ainda precisam ser curados para, depois, seguir viagem.

Said, da Eritreia, fala um pouco de inglês. Disse que quer chegar a Roma e, da capital italiana, seguir viagem para a Suécia, aonde teria familiares a sua espera.

Abi, também eritreu, por sua vez foi identificado e pediu asilo como refugiado. Em inglês, contou querer ir a Roma onde aguardará o resultado dos documentos. Não conhece ninguém lá, mas tem o sonho de concluir os estudos.

Abi é minoria no abrigo. Quase a totalidade dos menores se negou a ser identificada pela imigração italiana já que tem, assim mesmo, a proteção das leis internacionais até completar 18 anos. Outros querem evitar ser registrados na Itália pois pretendem chegar a outros países da União Europeia.

O clima é de tensão. Um ônibus do Ministério da Imigração italiano aguarda do lado de fora: deveria seguir viagem com ao menos 40 menores. Destino: centros de educação sociais na Itália. Muitos não aceitam, não querem a separação ou mistura dos grupos étnicos.

Na noite anterior a que a reportagem do Terra esteve lá, um grupo de exatamente 40 menores fugiu do abrigo. Saíram sem rumo. Foram encontrados em uma igreja, famintos. Antes, ainda, outra forma de protesto: fizeram greve de fome para não serem registrados.

Há esse medo de serem reconhecidos. Evitam conversar, viram o rosto diante da máquina fotográfica. São mais de 150 menores entre meninos e meninas que, sem documentos, são apenas números. Números de uma suposta rede internacional de tráfico de pessoas que ninguém afirmou existir, mas que se faz perceber pelos 'olheiros' entre os menores.

A missionária italiana Lina Guzzo estava lá. Para ela, a presença destes ‘olheiros’ que controlam todos os passos dos menores é um sinal claro desta rede.

“Deu a entender que eles têm domínio sobre os pequenos. Uma vez que eles estão fora, eu não sei o que vai acontecer com estes pequenos. Ou eles se tornam como aqueles, opressores, ou eles acabam mortos, desaparecem”.

O padre italiano Bruno Mioli, 86 anos, leva esperança aos imigrantes, de forma concreta. Empresta o telefone celular - monitorado pela Interpol e com consentimento da polícia italiana - para que possam entrar em contato com parentes e amigos na Europa.

Padre Bruno levanta a voz contra Bruxelas. Diz que a ajuda financeira à operação Triton - força-tarefa da agência da União Europeia para controle de fronteiras (Frontex) com objetivo de controlar a imigração no Mediterrâneo - veio tarde e que é preciso atacar o problema na raiz.

“Certo que do outro lado estão os atravessadores que se sentem encorajados deste qualquer um que os recruta, quem será? Esta é a contradição que existe. O problema não está resolvido. Nós estamos vivendo nessa emergência de uma emergência”.

Itália: sobrevivente de naufrágio justifica a travessia mortal
"Não é humano, diz imigrante resgatado em alto mar na Itália
Fonte: Por Rafael Belincanta, portal Terra com foto de Rafael Belincanta / Especial para Terra - 05/05/2015

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