segunda-feira, 23 de março de 2015

Farra das passagens:Câmara perde registro de escândalo

Cunha anunciou a volta do benefício para cônjuges de parlamentares, mas a Mesa precisa autorizar a compra

A Casa diz que não tem nos arquivos a relação de bilhetes aéreos utilizados entre 2007 e 2008. Investigação está emperrada na Polícia Federal, no Ministério Público e no Supremo Tribunal Federal.

Investigada pelo Supremo Tribunal Federal (SFT), pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), a relação dos bilhetes aéreos usados por parlamentares em 2007 e 2008 — no episódio que ficou conhecido como a farra das passagens — não consta mais nos arquivos da Câmara. Dados fundamentais para basear as apurações da época em que parentes, amigos de congressistas e até mesmo artistas viajavam por conta de gastos públicos, as informações desapareceram.

Em resposta a um pedido de acesso aos documentos pela Lei de Acesso à Informação (LAI), o Departamento de Finanças, Orçamento e Contabilidade (Defin) da Câmara informou que, de acordo com o Ato da Mesa Diretora n° 42 de 2000, “a participação da Casa no processo compreendia a concessão da cota e o posterior recebimento das faturas das companhias aéreas aqui instaladas para fins de conferência e pagamento”.

Apesar de a Câmara ter identificado o pagamento de bilhetes aéreos a terceiros — como a viagem da apresentadora Adriane Galisteu, da mãe dela, Emma Galisteu, e de um amigo com recursos da cota parlamentar do deputado Fabio Faria (PSD-RN) —, o Departamento de Finanças da Câmara respondeu, no ofício da Lei de Acesso à Informação, que a Casa não “possuía ingerência na relação estabelecida entre os deputados e as companhias aéreas credenciadas, razão pela qual a Casa não dispõe de registros de emissões de passagens aéreas realizadas pelos deputados em 2007 e em 2008”...

No documento, a Câmara ainda ressaltou que “o controle das emissões de bilhetes somente passou a ser exercido pela Casa em 2009”, ano em que instituiu mudanças na cota parlamentar, pelo Ato da Mesa Diretora nº 43. A assessoria de imprensa da Casa frisou também que as passagens aéreas são as únicas informações do chamado “cotão” das quais não há comprovantes guardados nos períodos anteriores a 2009. “Todos os demais itens — gastos com combustível, locação de veículos, manutenção de escritório — contam com documentação comprobatória nesses períodos.”

Contradição
A ausência das informações, porém, contradiz com as investigações da época, quando a própria Câmara apurou, por meio da Comissão de Sindicância da Casa, a participação de 45 servidores que seriam os responsáveis pelo escândalo. Eles estariam ligados aos gabinetes de 39 parlamentares. Naquele ano, a Câmara abriu processo contra 44 servidores — um deles faleceu e teve o caso arquivado. Mais da metade dos funcionários foi demitida durante as investigações.

As passagens da apresentadora Adriane Galisteu, da mãe e do amigo custaram à Câmara cerca de R$ 11 mil. Faria também deu passagens aos atores Kayky Brito, Sthefany Brito e Samara Felippo, que participaram do carnaval fora de época em Natal em dezembro de 2007. Eles foram convidados para o camarote que o deputado organizou para o evento. Após a reportagem, o parlamentar ressarciu à Câmara o valor das passagens dos atores.

Apesar de já terem se passado seis anos desde que o escândalo das passagens de deputados e senadores veio à tona, nenhum político foi punido. Há pelo menos oito anos, um inquérito criminal se arrasta entre o STF, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República. A apuração corre em segredo de Justiça e tem 20 investigados. Em consulta ao Supremo, é possível identificar que o processo foi concluído em 17 de março deste ano, remetido ao relator, ministro Teori Zavascki, e despachado à PGR.
Colaborou Eduardo Militão


Memória

Mordomia à custa do erário
Em 2009, o país descobriu que senadores e deputados usavam as cotas de passagens aéreas a fim de viajar para o Brasil e para o exterior a passeio. Em muitos casos, cediam o benefício para aliados, parentes, amigos e até mesmo para celebridades, cantores atores a apresentadores. Também foi identificado um comércio ilegal de crédito de passagens. Mais da metade dos parlamentares da Câmara usou as cotas para viajar para o exterior em 2007 e em 2008, apenas por uma companhia aérea. 

Identificado o problema, o Congresso mudou as regras, restringindo as viagens ao exterior, mas perdoou as irregularidades do passado. Nenhum parlamentar foi punido, apesar de vários terem devolvido o dinheiro gasto em interesses particulares. Embora uma série de inquéritos civis e criminais tenham sido abertos, o Ministério Público nunca ofereceu denúncia à Justiça. 

Este ano, após ser eleito presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) anunciou a volta do benefício para cônjuges de parlamentares. No entanto, após a repercussão negativa, decidiu que a regalia só será concedida após autorização da Mesa Diretora caso a caso. 

(EM)
Fonte: Por Naira Trindade, Correio Braziliense. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil - 23/03/2015 - - 12:37:33

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