
É o que  argumenta o jornal Estado de S. Paulo no editorial “O crime compensa”;  devolução parcelada de R$ 468 milhões é ínfima perto do patrimônio do  ex-parlamentar; ele também é acusado de lavagem de dinheiro com o time  Brasiliense
Saudado pela  Advocacia-Geral da União como um marco no combate à corrupção no Brasil,  o acordo em que o ex-senador Luiz Estevão se compromete a devolver R$  468 milhões ao Estado ficou barato. É o que argumenta o jornal Estado de  S. Paulo no editorial “O crime compensa”. Leia:
Quando o crime compensa  - O ex-senador Luiz Estevão, cujo mandato foi cassado em 2000 por seu  envolvimento no escândalo do desvio de recursos das obras do prédio do  Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) e que pelo mesmo  crime já foi condenado em várias instâncias da Justiça, está comemorando  o acordo feito esta semana com a Advocacia-Geral da União (AGU) para  devolver aos cofres públicos - com módica entrada de R$ 80 milhões e 96  suaves prestações mensais de R$ 4 milhões, com correção pela taxa Selic -  uma parte do dinheiro no qual meteu a mão com a ajuda de alguns  cúmplices, inclusive o famoso juiz Lalau - o único que está preso. No  total, o Grupo OK, de Estevão, desembolsará R$ 468 milhões que,  anunciados com estardalhaço pela AGU como o ressarcimento de "maior  valor em casos de corrupção do Brasil e talvez do mundo", representam na  verdade uma pechincha para o abonado investidor imobiliário do Distrito  Federal, porque o desvio de R$ 169 milhões, consumado há cerca de 20  anos e investigado desde 1997, equivaleria hoje, monetariamente  corrigido, a aproximadamente R$ 1 bilhão, o dobro do que Estevão,  docemente constrangido, concordou em devolver ao Tesouro, em troca de  ter seus bens desbloqueados pela Justiça.
A  AGU, por meio de seu site oficial, informou que, "no acordo, a União  não abrirá mão de nenhum valor sobre o qual entende ter direito,  mantendo garantias suficientes para o pagamento de toda a dívida". Para  tanto manterá penhorados 1.255 imóveis de propriedade do ex-senador.
Esse  escândalo, que há pelo menos 15 anos alimenta o noticiário  político-policial do País, é uma lamentável sucessão de episódios que  escancaram, mais do que a frouxidão dos valores éticos na vida pública, a  absoluta falta de pudor e a acintosa sem-cerimônia com que criminosos  de colarinho-branco, mesmo quando apanhados com a boca na botija, ousam  se comportar em público. São inesquecíveis as cenas patéticas do juiz  Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, desempenhando o papel de velhinho  doente para finalmente obter a regalia do cumprimento em reclusão  domiciliar da pena de 26 anos de prisão a que foi condenado.
Luiz  Estevão já fora condenado, em 2006, pelo Tribunal Regional Federal da  3.ª Região (TRF3), a 36 anos e meio de prisão pelos crimes de peculato,  corrupção ativa, estelionato majorado, uso de documento falso e formação  de quadrilha - tudo relacionado ao superfaturamento e desvio de verbas  das obras do TRT paulista. Recorreu da decisão e o processo subiu para o  Superior Tribunal de Justiça, cuja Sexta Turma confirmou por  unanimidade, em junho último, a sentença da instância inferior, mantendo  a condenação à prisão de Luiz Estevão e dos empresários José Eduardo  Correa Teixeira de Ferraz e Fábio Monteiro de Barros Filho, ex-sócios da  Construtora Incal, responsável pelas obras superfaturadas.
Logo  após o anúncio do acordo, o advogado de Luiz Estevão, Marcelo Bessa,  exibiu-se diante das câmeras de televisão com assombroso despudor.  Primeiro, gabou-se de que o acordo era muito bom para seu cliente,  porque a quantia a ser desembolsada representava apenas uma parcela  "ínfima" do patrimônio do senador cassado. Depois, classificou de  "pragmático" o entendimento havido, porque permitirá ao Grupo OK  "retomar suas atividades normais". Para quem sabe das "atividades  normais" de Luis Estevão, soou como ameaça.
E  o magnata do mercado imobiliário da capital da República não perdeu a  pose. Localizado na Inglaterra, permitiu-se fazer graça: "Por incrível  que pareça, embora eu negue (o crime), é melhor pagar e tirar esse  aprisionamento". E acrescentou: "Tem o "devo, não nego e pago quando  puder". Eu sou o contrário: não devo, nego e pago sob coação". Segundo  cálculo feito pela Folha de S.Paulo, a "coação" a que Estevão se diz  submetido é altamente lucrativa. Aplicados em algum fundo de renda fixa,  desde agosto de 1998, quando os bens do empresário foram bloqueados, os  R$ 169 milhões roubados do TRT pela quadrilha valeriam hoje R$ 1,3  bilhão.
Ou seja: mesmo com a  devolução aos cofres públicos de R$ 468 milhões, ainda sobrariam R$ 866  milhões para regalo dos meliantes. É a comprovação insofismável de que,  às vezes, o crime compensa.