terça-feira, 15 de abril de 2014

Paulo Coelho: O exílio


Na Suíça, o escritor critica a política brasileira, artistas como Chico e Caetano – e diz que sua geração “envelheceu mal”


A vida do escritor Paulo Coelho em Genebra é um paraíso peculiar. Aos 66 anos, depois de se recuperar de um problema cardíaco, ele mantém um cotidiano movimentado. 


Acorda tarde, às 11 da manhã, para cortar lenha e praticar arco e flecha – hábitos que, segundo ele, “ajudam a pensar”. Depois, monitora a atividade das redes sociais. Ele tuíta em português, inglês e espanhol...

Comunica-se com leitores no mundo inteiro. No fim da tarde, interrompe o que estiver fazendo para rezar em silêncio. À noite, reúne-se com amigos e celebridades. Com tudo isso, é difícil imaginar como acha tempo para escrever livros. Mas ele escreve – com a colaboração dos leitores. Paulo Coelho lança nesta semana o romance Adultério (Sextante, 240 páginas, R$ 24,90), o 27º livro em 31 anos de carreira e o primeiro elaborado segundo uma técnica interativa. O livro sai no Brasil nesta semana, com tiragem de 100 mil exemplares. As traduções para 34 países sairão até o fim do ano. Seus livros já atingiram a marca de 174 milhões de exemplares, número que o aproxima da inglesa J.K. Rowling, de Harry Potter, e do americano Dan Brown, de Código Da Vinci. Coelho é o autor brasileiro mais traduzido da história, com edições em 73 idiomas, e o primeiro a se tornar bilionário. Sua fortuna é estimada em US$ 400 milhões – em reais, 1 bilhão.

Tais números se materializam num modo de vida prazeroso, mas sem ostentação. Coelho e sua mulher, a pintora Christina Oiticica, moram desde 2013 num apartamento dúplex de 700 metros quadrados em Champel, bairro elegante nos altos de Genebra. A vista dá para o Monte Branco, as montanhas de Jura e o jet d’eau, o jato d’água de 100 metros de altura localizado à beira do Lago Léman, ponto turístico mais visível da cidade. O casal não tem filhos e conta com três empregados: um mordomo, uma copeira e um secretário. Acabou de comprar um Audi. Coelho e Christina dizem que enjoaram do jatinho para sete passageiros que compraram há cinco anos – não o usam mais. O casal mantém um apartamento luxuoso no centro de Paris, mas não o visita há quatro anos, apesar de ficar a três horas de trem de Genebra. “Paris e eu não combinamos”, afirma Coelho. Ele prefere emprestar o apartamento a amigos e parentes. Seu casarão em Tarbes, diante dos Pirineus franceses – onde morou de 2002 a 2005 –, está à venda, assim como o primeiro apartamento que comprou na Suíça.

>> Paulo Coelho: “A barra vai pesar na Copa do Mundo”
Não se vê uma única estante de livros na casa de Coelho em Genebra. “Agora só leio no tablet”, diz, acendendo um cigarro. “Bibliotecas particulares de escritores são coisas obsoletas.” Ele começa a usar o Google Glass, apetrecho do Google que traz um computador para dentro de um óculos, e pretende ler textos também com o novo aparelho. Diz que adora ler livros, notícias e posts de blogs e redes sociais. Sua maior diversão é mesmo viajar. No ano passado, combinou com Christina que conheceriam pelo menos quatro cidades por semana. “Só neste ano, já visitamos 144 lugares”, afirma. “Aproveito a vida, mas às vezes fico em dúvida sobre se aproveito tanto quanto deveria. Daí me viro para a Chris e pergunto: ‘Será que estou perdendo alguma coisa?’.” Hiperativo e conectado, Coelho não se perdoaria se perdesse algo. E tenta não perder nada.

ORAÇÃO
Paulo Coelho se prepara para rezar numa sala de seu apartamento (Foto: Lucien Fortunati/AP)

Foi atento às notícias que escolheu Genebra para morar em 2006, quando saiu da França. “Apesar de ser uma das cidades mais caras do mundo, Genebra tem alto padrão de segurança, saúde e transporte”, diz. “Além disso, minha casa fica a cinco minutos do campo, e preciso estar perto da natureza. Mudei-me para a Suíça porque havia a paranoia de que os países da União Europeia vetariam vistos de residência aos estrangeiros e porque o fisco francês abocanhava 60% dos meus rendimentos”, diz. “Todo mundo está saindo da França. Ninguém aguenta a carga tributária. Entendo por que o (ator) Gérard Depardieu adotou a cidadania russa.” Num ponto, Coelho é diferente de Depardieu. Mesmo vivendo e recolhendo impostos na Suíça, quer continuar a ser cidadão brasileiro.

Às vezes, aparece incógnito no Rio de Janeiro, sua cidade natal, para encontrar a família, jantar com amigos e passear pela praia. Sua média de visitas são duas vezes por ano. A exceção foi em 2013, quando não viajou por motivo de saúde. Em novembro de 2012, Coelho teve duas obstruções nas artérias coronárias. O médico que o atendeu disse que ele teria apenas dois dias de vida. “Não me abalei”, diz. “Naquele momento, fiz um balanço de minha vida e concluí que havia feito tudo o que eu sonhara: vivia havia mais de 32 anos com a mulher que amava, realizara o sonho de ser escritor e o projeto de levar a milhões de pessoas a mensagem de que elas podem realizar suas lendas pessoais. Então, fiquei tranquilo. Estava pronto.” A implantação de dois stents no coração salvou-lhe a vida. “A iminência de morrer não mudou minha vida. Continuo a ser o que sou.”

E assim Coelho continuou a viajar. Registra-se em hotéis com nomes fictícios, como qualquer celebridade, e vai aonde quer ir sem dar satisfação a ninguém. De tão raras suas idas ao Rio, muitos cariocas pensam que se trata de uma aparição ou mesmo de um sósia do Mago, como ele é conhecido. “Quando volto a meu apartamento, em Copacabana, sinto um grande vazio. É como se não fizesse mais parte de mim, porque a minha alma não está mais lá.”

>> Paulo Coelho assiste, pela primeira vez, ao filme sobre sua vida
Seu comportamento excêntrico gerou boatos de que Coelho entra como clandestino no país para driblar a Receita Federal. Coelho acha graça, enquanto mostra na tela do computador a Certidão Negativa de Débitos Relativos a Tributos Federais e a Declaração de Saída Definitiva de Residência Fiscal no Brasil, ambos os documentos datados de 2010. “Estou em dia com a Receita Federal brasileira”, diz. “Pago meus impostos regularmente na Suíça, onde os tributos deduzidos na fonte são de 27% sobre a renda total do contribuinte, mais ou menos o que pagaria no Brasil.”

Coelho não faz uma visita profissional ao Brasil desde 2003, quando lançou o best-seller Onze minutos. “Minha ausência não ocorre só no Brasil. Deixei de fazer turnês de lançamento e noites de autógrafos porque eram muito desgastantes. A última vez que fiz isso anos atrás em Moscou, houve tumulto, 500 pessoas ficaram de fora da livraria gritando que queriam entrar. Era impossível controlar a multidão. Desde então, mantenho contato direto com meus leitores pelo blog, pelo Twitter e pelo Facebook.” Ele se tornou seletivo para divulgar seu trabalho pela imprensa. “Quase não concedo mais entrevistas. Hoje, sozinho, tenho mais seguidores que o número total de leitores dos dez jornais de maior circulação no mundo.” O Twitter e o Facebook de Paulo Coelho reúnem 28 milhões de seguidores. Eles são alimentados por feeds diários de novidades, aforismos e conselhos. “Diferentemente de muitos autores de renome, escrevo para ser lido”, afirma. “Os leitores são a meta de tudo o que faço. São os juízes da literatura, não os críticos.”

Mesmo que receba diariamente apelos dos leitores para que retorne ao Brasil, não pretende fazê-lo tão cedo. Ele se diz desgostoso com a política, a literatura – e até o futebol. “Sou um exilado cultural do Brasil. O país me decepciona em vários sentidos. Ele foi dominado por uma onda de conservadorismo que despreza as conquistas do povo, como os direitos trabalhistas para as empregadas domésticas e a mobilidade dos trabalhadores, como as faixas de ônibus, medida totalmente justa”, diz. Segundo ele, o governo brasileiro se revelou clientelista e deu espaço à corrupção. “Não sinto a mínima falta disso.” Ele diz que é hora de a política mudar, mas nada acontecerá. “O problema não é o PT no poder ser incompetente. É seus adversários serem ainda piores.” Reserva farpas especiais para Marina Silva, pré-candidata a vice-presidente na chapa do governador Eduardo Campos. “Marina Silva representa tudo o que o Brasil deveria evitar: o moralismo, o conservadorismo e o atraso. Ela está acabando com as chances de Eduardo Campos, se é que ele tinha alguma.”

A política é uma das razões por que ele não comparecerá aos jogos da Copa, apesar de ter sido convidado pela Fifa. “É uma questão de coerência”, afirma. Coelho previu que o Brasil venceria a Copa das Confederações. Para os que aguardam, ansiosos, o vaticínio do Mago para a Copa do Mundo, Coelho acena com o risco de maracanazo: “Certamente, o Brasil irá à final, mas há duas seleções fortíssimas nesta Copa: a Espanha e a Alemanha. O Brasil tem chances de não ganhar”. Em 2007, Coelho participou do comitê que conseguiu que o Brasil sediasse a Copa do Mundo. “Daquele comitê não resta mais ninguém”, diz. “Eu era um dos idiotas que acreditavam que a Copa do Mundo melhoraria a infraestrutura do Brasil. Pior, estou desapontado porque a Fifa não cumpriu o que prometeu, reservar ingressos a pessoas com problemas de mobilidade.”

Ainda assim, Coelho afirma que a Copa será importante para mostrar o Brasil ao mundo, inclusive seu lado negativo. “A barra vai pesar na Copa”, diz. “Os protestos explodirão durante os jogos porque haverá mais gente fora que dentro dos estádios. Espero que isso ajude a mudar o Brasil. Sonho em que o circenses interfira no panis dos brasileiros.” É uma referência à expressão latina panis et circenses, ou pão e circo.

Coelho condena a atuação dos black blocs nos protestos: “São vândalos que se escondem sob o anonimato das máscaras. Não há nada mais covarde e condenável que o anonimato. Me admira um artista como Caetano Veloso posar para uma foto fantasiado de black bloc. Ele depois diz que não sabia do que se tratava. Ora, Caetano não tem nada de ingênuo. Eu não posaria para uma foto vestido com traje de um movimento que não conheço”, afirma.

TRABALHO
Paulo Coelho monitora avidamente as redes sociais – e tuíta em inglês, espanhol e português (Foto: Lucien Fortunati/AP)

Paradoxalmente à condição de exilado voluntário, Coelho se tornou um dos intelectuais mais influentes do Brasil. É como se sua ausência preenchesse um vazio na vida brasileira. Seu prestígio lhe valeu em 2007 o título de imortal da Academia Brasileira de Letras. Seus colegas acadêmicos consideram-no omisso na instituição. “Eles têm razão”, diz. “Eu deveria fazer mais pela literatura brasileira.” De qualquer forma, Coelho é hoje o único autor nacional com possibilidades de figurar entre os candidatos ao Prêmio Nobel. Ainda assim, os críticos locais desprezam sua obra. Etiquetam-na de “mística”, “fácil” e “autoajuda” – caraterísticas que o ajudaram a se transformar num autor universalmente aceito. “Os escritores brasileiros consagrados pela crítica se esqueceram que o principal é saber contar histórias”, diz. “Ninguém consegue ler os livros deles. Eles frustram o leitor com o excesso de pretensão. Mas se iludem, porque a curriola literária cria um ambiente de elogios mútuos que lhes dá a ilusão de que são incríveis. Me esforço diariamente para tornar minha literatura simples aos leitores. E ser simples é difícil.”

Apesar da distância do Brasil, ele insiste em marcar sua presença na vida cultural, participando de debates e movimentos. Tem sido o maior defensor da publicação de biografias não autorizadas. “Nunca vistorio as biografias produzidas sobre mim. Fernando Morais fez minha biografia (O mago, de 2008) e agora se considera dono do assunto. Não gostou quando a jornalista Hérica Marmo lançou A canção do mago, em 2007, ano em que ele escrevia a dele. A biografia de Hérica é melhor que a de Fernando Morais. Eu disse: ‘Fernando, você não é dono da minha vida. Nem eu sou, como você quer ser?’.” Em 19 de março último, no Dia de São José, dia em que Coelho reúne anualmente seus amigos, ele fechou o cassino de Estoril, em Portugal, para a primeira sessão do longa-metragem Não pare na pista, de Carolina Kotscho. O filme, sobre a vida de Paulo Coelho, deverá estrear em agosto no Brasil. “Não sabia de nada até então, e adorei o filme. Porque ele é fiel à minha vida, inclusive nas partes negativas, como minha relação conturbada com Raul Seixas e o desprezo que sentia contra meus pais quando era hippie. Sou dono de minha vida? Claro que não. Todo mundo tem o direito de exprimir o que pensa sobre a vida dos outros.”

Coelho dirige seu arco e flecha giratório contra o grupo que tenta forçar o governo a censurar biografias não autorizadas. Chama a atenção para a conduta do ídolo de sua juventude: o compositor Chico Buarque de Holanda. “Entendo que o Roberto Carlos seja contra as biografias. Ele é o que é. Mas não perdoo Chico Buarque. Logo ele, o artista libertário por excelência, vir defender a ideia de controlar a informação sobre a vida pública dele. Isso me desapontou profundamente. Se sair uma nova biografia do Chico, não vou ler nem comprar, pois sei que é chapa-branca. O mesmo vale para Caetano e Gilberto Gil. Minha geração envelheceu mal. É mais conservadora que a geração de nossos pais, contra a qual lutamos nos anos 1960.”

À medida que a internet se disseminou, Coelho se tornou um adepto das redes sociais e das novas vertentes digitais da ficção. “A proliferação de blogs e o contato imediato com os leitores alteraram a ficção para sempre.” Coelho adotou o método interativo para escrever o romance que lança agora, Adultério. Ele narra a história de uma mulher suíça de 30 anos, Linda. Ela é rica, mora em Genebra e trai o marido com um antigo colega de faculdade, mesmo sendo feliz no casamento. “A história foi sendo escrita em público, à vista de todos os internautas”, diz. “Não tinha ideia sobre em que se transformaria. Queria escrever algo sobre a depressão. Submeti a ideia nos fóruns da internet e em meu blog e pedi que os internautas enviassem relatos sobre suas experiências. Foi uma surpresa descobrir que o que atormenta mais as pessoas hoje não é a depressão, mas a traição. Foi o e-mail detalhado de uma leitora que serviu para eu criar a personagem de Linda e construir um enredo sobre a culpa e a traição. Alterei o nome e o endereço dela.” A chave da nova ficção, diz, é a participação ativa dos leitores conectados às redes sociais.

Coelho se transformou também no líder e porta-voz dos jovens escritores fantásticos, como Eduardo Spohr ou a dupla Jovem Nerd, André Vianco e Ra­phael Dracon. Por defender essa vertente desprezada pela crítica acadêmica, ele rompeu com o comitê organizador da Feira de Frankfurt em outubro de 2013, quando o Brasil era o país homenageado. “Saí do evento porque a maior parte dos 70 autores convidados não representava a literatura brasileira viva da atualidade. Na realidade, tratava-se de um grupo de amigos que viajou à custa do governo, escritores medíocres que não sabem planejar um enredo e não têm leitores. Quem são eles?” Coe­lho prometeu participar da feira de 2014 e então levar junto os autores que considera representativos. “Os jovens que cresceram com a internet estão mudando o jeito de fazer ficção”, diz. Inspirado na nova legião de jovens autores fantásticos, ele planeja escrever uma saga em vários volumes, um pouco à maneira de George R.R. Martin (de Guerra dos Tronos), usando pseudônimo. “Sou admirador de ficção científica e da literatura fantástica. Será uma experiência estimulante.” Entre tuitar, cortar lenha e praticar arco e flecha, Coelho certamente arranjará tempo para a nova empreitada.

Fonte: LUÍS ANTÔNIO GIRON, de Genebra revista Época - 14/04/2014 - - 14:22:48


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